26/04/2024 MÉXICO

Cooperação trilateral: o que é e quais são seus impactos

Palenqueras al natural [Foto: L*u*z*a Flicker Account]
A cooperação trilateral é um fenômeno relativamente recente no campo da ajuda ao desenvolvimento. Consequentemente surgem dúvidas sobre o que é, quem são os atores envolvidos e que tipo de impacto promove. Esse artigo apresenta algumas considerações a respeito, propondo uma reflexão sobre as perspectivas e os riscos envolvidos.

Contexto e definições


A cooperação trilateral é um fenômeno relativamente recente no campo da ajuda ao desenvolvimento. Na virada do século assistiu-se a efervescência de novas modalidades de cooperação para o desenvolvimento, com a diversificação dos doadores, prática de cooperação horizontal e destaque para a cooperação Sul-Sul. Neste contexto, os aportes promovidos por países de renda média, como China, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul desempenham papel fundamental.

Diante da atuação internacional destes países, a cooperação trilateral pode ser tida como um dos reflexos mais concretos da atual distribuição de poder mundial. Esta exige modalidades de cooperação mais horizontais, indo além da tradicional cooperação bilateral Norte-Sul e funcionando como elemento de aproximação entre os âmbitos Norte-Sul e Sul-Sul, sem invalidar a importância e a persistência de múltiplas práticas.

Através da cooperação trilateral estabelece-se uma parceria entre atores de três países: um doador maior, que oferece ajuda desde um país desenvolvido; um segundo doador proveniente de um país de renda média, que terá um papel diferenciado em relação ao primeiro doador; e um parceiro receptor, neste caso de um país de menor nível de desenvolvimento relativo. Ou seja, seu enfoque perpassa a atuação de dois países em benefício de um terceiro.

A prática da cooperação trilateral resulta em complementaridades na atuação de países de renda média e dos países mais avançados, buscando-se assim uma maior eficácia da ajuda ao desenvolvimento.  A eficácia é em si um dos pontos mais debatidos no que diz respeito à promoção de cooperação para o desenvolvimento. Neste sentido, tanto a Agenda de Accra (2008) como a Declaração de Paris (2005), documentos angulares para a cooperação para o desenvolvimento, primam pela busca de uma cooperação mais eficaz e que realmente promova mudanças positivas na realidade de países mais pobres.

É diante deste cenário que a multiplicidade de atores envolvidos pode ser tanto um aspecto positivo, na medida em que as várias fontes de ajuda permitem um grande número de políticas que pode vir a suprir mais adequadamente a igualmente variada gama de necessidades de ações de desenvolvimento; como também pode ser um aspecto negativo, quando não há a coordenação entre esses atores e a ajuda não se transforma em ganhos concretos. Para entender melhor as implicações das ações das diferentes partes é preciso conhecer quem são os atores envolvidos nesse processo.

Atores envolvidos

Os atores envolvidos nesse desenho de cooperação não se limitam a países, incluindo também organismos multilaterais, organizações da sociedade civil e instituições públicas e privadas do Norte e do Sul. Essa diversificação permite pensar ainda em parcerias público-privadas como meio de triangulação, contribuindo com recursos e fundos para implantação e seguimento de projetos que seriam abandonados sem essa possibilidade.

A Fundação Cideal destaca nos pólos desse processo: um doador tradicional enquanto ofertante de cooperação; um sócio estratégico que é o ofertante emergente; e o demandante de cooperação, sendo este um terceiro país com menor nível de desenvolvimento. Cada um deve assumir funções características para o sucesso da iniciativa, em um processo de gestão compartilhada, em que o aspecto de horizontalidade deve ser estimulado pelo doador tradicional, assim como o demandante da cooperação deve apresentar as prioridades estratégicas, estabelecidas nos seus Planos Nacionais de Desenvolvimento.


Japão e Alemanha são pioneiros na consecução de cooperação triangular, porém o crescimento dessa prática é acelerado e segundo um estudo da OCDE, atualmente pelo menos 16 países do Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento desta organização encontram-se envolvidos em ações de cooperação trilateral, que se distribuem entre os continentes asiático, africano e latino-americano.

É na segunda categoria de participantes, os sócios estratégicos, que reside o elemento de coesão deste tipo de cooperação. Coesão porque há muito estes países são ativos na agenda de cooperação para o desenvolvimento, atuando como fornecedores de cooperação técnica e doadores livres de condicionalidades. Com a experiência adquirida e a realidade própria, servem de ponte entre o doador maior e o demandante de ajuda.

É interessante ressaltar que, em certa medida, esses países permanecem também como receptores de ajuda ao desenvolvimento, o que faz da cooperação para o desenvolvimento um confuso labirinto de fluxos de ajuda. Porém, estes fluxos tornam-se menos confusos ao olhar mais cuidadoso que revela um intercambio natural de práticas entre países menos desenvolvidos via cooperação Sul-Sul, que promove e é, ao mesmo tempo, consequência de uma projeção internacional diferenciada dos países de renda média.

O fato de ainda serem receptores de ajuda e de serem países ainda em desenvolvimento, com enormes desafios para eliminação da pobreza e desigualdade internas, aproxima os chamados “sócios estratégicos” da realidade dos países receptores, fazendo com que a atuação trilateral difunda boas práticas e ajude no processo de accountability necessário a eficácia da ajuda.


A Cideal coloca o Brasil como um dos grandes atores estratégicos da cooperação trilateral na América Latina. Para eles “a experiência brasileira em cooperação triangular é provavelmente, junto à chilena, e, em menor medida, junto à mexicana, uma das mais ricas no conjunto latino-americano. Integra em seus projetos parceiros bilaterais do Norte (Noruega, Canadá, Japão, Alemanha, França, Espanha, Estados Unidos e Itália, entre outros), parceiros do Sul (Índia, África do Sul e Argentina) e instituições multilaterais (Banco Mundial, Fundo de População das Nações Unidas – FNUAP, OIT)”.

O exemplo da diversificação das parcerias brasileiras é interessante, pois retrata o rico universo de atores que pode compor o quadro da cooperação trilateral, de maneira a fornecer abordagens complementares, e consequentemente enriquecedoras, ao tema da cooperação para o desenvolvimento. Ainda assim, é preciso avaliar com cautela as potencialidades da cooperação trilateral para que se evitem velhos erros que podem prejudicar a atuação em conjunto e ameaçar a credibilidade da mesma.

Riscos e perspectivas

Podem-se apontar três grandes pontos geradores de desconfiança entre as partes envolvidas, e que podem representar riscos ao sucesso da cooperação trilateral: a natureza dos interesses dos países desenvolvidos; a natureza dos interesses dos países emergentes; e a falta de coordenação entre as políticas.

Natureza dos interesses dos países desenvolvidos: ao envolverem-se nesse esquema de cooperação visando “terceirizar” uma ação e dessa maneira baratear seus custos de transação. Tal possibilidade cria riscos à eficácia do projeto e trás a tona questões em relação à verificação da capacidade institucional e técnica do país emergente envolvido, já que se estes itens não forem bem fundamentados toda a funcionalidade e credibilidade desta forma de cooperação entrariam em risco.

Natureza dos interesses dos países emergentes: por vezes condicionados pela retórica ou interesse próprio, perpassando por acesso a mercados ou difusão de uma imagem externa positiva visando a projeção internacional em si mesma, podem falhar enquanto elo de ligação na cooperação trilateral e não desempenhar na prática o discurso, seja por falta de real capacidade técnica, seja por desinteresse político.

Falta de coordenação das políticas: a Declaração de Paris e a Agenda de Accra são categóricas na reafirmação da necessidade de monitorar e coordenar as ações de desenvolvimento para o alcance de resultados efetivos dos projetos de cooperação. Dessa maneira, é fundamental que haja profícuo diálogo prévio entre os atores na definição de uma agenda que de fato conduza a uma situação de ganhos mútuos.


Na verdade, os três pontos destacados não devem ser vistos individualmente, mas como um conjunto de fatores que encadeado pode ocasionar riscos reais ao sucesso do exercício da cooperação trilateral. Se qualquer uma das partes não se envolver de forma ativa, incluindo, para isso, também os países receptores de ajuda, a cooperação trilateral desfaz-se de potencialidades e entra para o rol da retórica da cooperação internacional.

Esta é uma explicação sem fins lucrativos

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Cyntia Sandes

Aracaju, Brazil. MA in International Relations at Institut Barcelona d'Etudis Internationals - IBEI, with focus in Political Economy of Development. She has worked with research projects, volunteered for the Trust for the Americas, a non-profit affiliated to the OAS, and is experienced on the private sector, where she has worked for a multinational industry from the beverage sector. Her areas of interest are international cooperation and development, political economy and foreign policy.


3 comments

  • Hector Valle

    17/05/2011 at

    Obrigado, Cynthia. O assunto é bem interessante e, talvez por isso, eu acho precisaria ser ainda mais trabalhado no sentido de colocar novas matérias para a sua melhor comprensão. Novos exemplos, possibilidades de estabelecer contatos e intercambio ainda maior de opinhões e assim aumentar as possibilidades de concretar outras cooperações.

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    • Cyntia Sandes

      17/05/2011 at

      Obrigada pelas sugestões Hector, serão levadas em consideração para os novos posts.

      Reply

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